Namorados: Assine Digital Completo por 5,99

“Aprendi a apanhar”, diz noivo militar de atleta trans sobre preconceito c6u1o

Lucca Michelazzo, 24 anos, sofreu ataques online após formatura na Escola de Sargentos. "Como homem, não deixarei de defender a mulher que amo", diz 4o4y1y

Por Caio Sartori Atualizado em 4 jun 2024, 12h30 - Publicado em 5 mar 2022, 08h00
Lucca Michelazzo -
Lucca Michelazzo – (./Arquivo pessoal)

Conheci a Thaynna por intermédio de um amigo em comum, quando estava me preparando para entrar nas Forças Armadas. Nossa paixão foi arrebatadora e logo começamos a namorar. Eu havia me relacionado antes tanto com mulheres cis — aquelas que se reconhecem em todos os aspectos com o gênero de nascença — quanto com mulheres trans, que nasceram com o órgão masculino, mas não se identificam com ele. Para mim não há diferença, o que importa é a pessoa. A Thaynna me completa em diversos aspectos. O preconceito, no entanto, existe e não é simples conviver com ele. Durante um tempo, não contei sobre o namoro para a minha família. No quartel, tentava ser discreto, mas nem sempre é possível guardar segredos.

Quando a pandemia começou, tomei conhecimento de que alguns colegas de farda sabiam que eu namorava uma mulher trans. Tinha acabado de ingressar na Escola de Sargentos das Armas, um o importante na concretização do meu sonho de crescer na carreira militar. O aumento de casos de Covid-19 nos obrigou a ficar internados no alojamento e a fofoca se alastrou. Um amigo falou que o pessoal estava comentando o assunto. Eu me afastei um pouco da turma, mas, mesmo assim, ouvia frases do tipo: “Você viu o Michelazzo namorando aquele traveco?”. A expressão preconceituosa se tornou uma constante em minha vida. O jeito foi ignorar as ofensas e colocar meu foco no treinamento. Deu resultado: mostrei serviço e ganhei confiança. Ter valor na caserna fez com que eu mesmo me valorizasse, ainda que vivendo um relacionamento amoroso pouco usual.

O primeiro ano do curso foi na minha cidade, Natal. A coisa ficou feia mesmo no segundo ano, quando tive de me mudar para Minas Gerais, onde fica a sede da ESA. Já entrei marcado. Alguns oficiais vieram pedir para eu tomar cuidado na convivência com os colegas: “Chega quieto, sem levantar bandeira”, me disseram. Toda tentativa de defender ideologia dentro do quartel é proibida e eles queriam evitar que eu desse respostas diretas, do tipo “namoro uma trans, sim, e você não tem nada a ver com isso”. Acatei os conselhos, mas a postura não aliviou a pressão. Qualquer errinho que eu cometia ganhava uma proporção muito grande. Todo mundo me zoava, era um massacre. Mas também tive apoio em alguns momentos. Um dia, começou a circular mais uma foto em que eu aparecia com a Thaynna, com a legenda: “O aluno da ESA chegando com o seu travequinho”. O capitão me chamou para me dar uma força. Alguns sargentos se solidarizaram. Luta melhor quem sabe apanhar e essa lição eu aprendi, a ponto de ser apontado como o aluno com melhor preparo psicológico.

Com a família também foi difícil. Esperei dois anos para contar para minha mãe. Ela não aceitou muito bem no começo, ficou preocupada com a impossibilidade de a gente ter filhos. Aos poucos, porém, o impacto inicial foi superado e hoje minha mãe ama a Thaynna. No dia da formatura, fiz questão da presença de meus parentes e da minha namorada. Nunca tive vergonha de aparecer com ela em público, pelo contrário, sempre fomos juntos à padaria, à academia. Estávamos comemorando na casa da minha avó quando tomamos conhecimento de uma mensagem de áudio que viralizou. Nela, um sargento mais antigo do que eu questionava com indignação: “Como é possível um traveco ir à formatura de um sargento? Botar o quepe na cabeça dele? Isso é um absurdo. Alguém tem de avisar que esses travecos não são bem-vindos!”. Prestei queixa na polícia por transfobia, preconceito e racismo, e espero que os autores sejam responsabilizados. Dessa vez, o ódio foi derrotado — recebemos apoio nas redes sociais de gente que nunca vi na vida. Como soldado, estarei sempre pronto a defender o Brasil. Como homem, não deixarei de defender a mulher que amo.

Continua após a publicidade

Lucca Michelazzo em depoimento dado a Caio Sartori

Publicado em VEJA de 9 de março de 2022, edição nº 2779

Publicidade

Matéria exclusiva para s. Faça seu

Este usuário não possui direito de o neste conteúdo. Para mudar de conta, faça seu

Digital Completo 6o121u

o ilimitado ao site, edições digitais e acervo de todos os títulos Abril nos apps*
Apenas 5,99/mês*
DIA DOS NAMORADOS

Revista em Casa + Digital Completo 2g6h51

Receba 4 revistas de Veja no mês, além de todos os benefícios do plano Digital Completo (cada edição sai por menos de R$ 9)
A partir de 35,90/mês

*o ilimitado ao site e edições digitais de todos os títulos Abril, ao acervo completo de Veja e Quatro Rodas e todas as edições dos últimos 7 anos de Claudia, Superinteressante, VC S/A, Você RH e Veja Saúde, incluindo edições especiais e históricas no app.
*Pagamento único anual de R$71,88, equivalente a R$ 5,99/mês.

PARABÉNS! Você já pode ler essa matéria grátis.
Fechar

Não vá embora sem ler essa matéria!
Assista um anúncio e leia grátis
CLIQUE AQUI.