Capital inteligente
O programa articulado pelo Tesouro Nacional se destaca por atrair recursos privados para a recuperação de terras degradadas e a produção de alimentos

Enquanto o mundo avança em compromissos climáticos cada vez mais exigentes, o Brasil carrega um trunfo estratégico raro: sua capacidade de combinar uma vocação agropecuária consolidada com soluções escaláveis de regeneração ambiental. Trata-se de um ativo geopolítico. Poucos países reúnem, como o Brasil, abundância de território, domínio técnico no campo e espaço real para aumentar a produção enquanto restauram ecossistemas degradados.
O desafio, contudo, não está apenas em reconhecer esse potencial — mas em estruturá-lo com foco, disciplina institucional e inteligência na alocação de capital. Ainda hoje, o crédito agrícola tradicional financia em grande parte o que já está consolidado, sem diferenciação de impacto. É nesse cenário que iniciativas com viés transformador, ancoradas em metas ambientais e critérios técnicos, precisam sair da margem e ocupar o centro da política agrícola.
Nesse contexto, o programa Eco Invest Brasil, articulado pelo Tesouro Nacional, se destaca. Mas é justo reconhecer também o papel do Ministério da Agricultura e das lideranças do agro, que há anos reivindicam instrumentos modernos de financiamento com foco ambiental. Finalmente, parece que os astros estão se alinhando. O edital mais recente propõe restaurar 1 milhão de hectares de terras degradadas com capital catalítico, juros simbólicos de 1% ao ano e exigência de desmatamento zero — inclusive o permitido por lei. A expectativa é atrair até US$ 2 bilhões em capital privado. Os projetos devem priorizar produção de alimentos, integração lavoura-pecuária e aumento de cobertura vegetal em áreas produtivas.
Não se trata apenas de emitir crédito com selo verde. O Eco Invest introduz uma lógica nova: o banco que quiser ar os recursos precisa provar que trará escala, impacto e governança. Os critérios priorizam qualidade da alocação, não conveniência política. É uma amostra concreta de como políticas públicas podem funcionar como alavancas estruturantes — e não apenas como mecanismos de transferência.
A lógica por trás é simples e poderosa. O Brasil tem milhões de hectares de pastagens improdutivas. Recuperá-los é mais eficiente e ambientalmente acertado do que abrir novas frentes agrícolas. E com incentivos bem calibrados — como os do programa — é possível gerar impacto produtivo, econômico e ecológico ao mesmo tempo.
O Plano Safra 2024/2025 anuncia um volume total de R$ 508,59 bilhões em crédito rural, com R$ 400,59 bilhões destinados à agricultura empresarial. Entretanto, apenas cerca de R$ 17,86 bilhões correspondem a recursos públicos diretos do Tesouro Nacional, como equalização de juros e subvenção ao seguro rural. O restante provém de fontes privadas, muitas vezes com incentivos fiscais. Essa distinção é essencial: o capital é escasso — e concorre. Alocar bem é tão importante quanto alocar muito.
Como escreveu Pedro Malan em artigo recente, “o papel de lideranças políticas responsáveis é o de contribuir para reduzir, e não aumentar, os graus de incerteza sobre o futuro”. A frase se aplica com exatidão à política agrícola brasileira. A previsibilidade não deve ser confundida com repetição. Reduzir incertezas não é manter tudo como está, mas oferecer clareza estratégica, critérios objetivos e mecanismos estáveis para orientar o uso do recurso público. Em tempos de juros altos, volatilidade climática e escrutínio internacional crescente, continuar expandindo o crédito rural com base em lógicas distributivas do ado é não apenas fiscalmente frágil, mas politicamente míope.
Como bem destacou também o ex-ministro Roberto Rodrigues em artigo recente, o Plano Safra deve se tornar política de Estado. Mas, para isso, precisa deixar de ser apenas uma plataforma de cifras e ar a refletir decisões de natureza estratégica. O agro do futuro exige instrumentos que combinem previsibilidade com propósito, escala com critério, e produtividade com sustentabilidade — no sentido técnico e econômico do termo.
É justamente esse o ponto de virada: sair do modelo de crédito universalizado e caminhar para uma política agrícola orientada por diferenciação e retorno sistêmico. A restauração de terras, o uso inteligente de insumos, a modernização logística e a intensificação produtiva em áreas já abertas devem compor o centro dessa agenda.
A preparação para a COP30, que ocorrerá em território nacional, oferece a oportunidade de mostrar ao mundo o que o Brasil tem de melhor: a capacidade de entregar resultados reais em clima e produção, com instrumentos de mercado e transparência. A diplomacia climática do futuro será feita menos de promessas e mais de exemplos. E o Eco Invest, com todas as suas limitações e aprendizados, é um exemplo que merece ser destacado.
O mundo quer — e precisa — ver soluções tropicais que conciliem escala, segurança alimentar e responsabilidade ambiental. O Brasil já as possui. Resta consolidar essas experiências em uma política de Estado com coerência, ambição e capacidade de execução.
O agro brasileiro já provou, com trabalho e inovação, que é possível produzir mais com menos. Agora, cabe ao governo fazer o mesmo com o capital público. E à comunidade internacional, reconhecer que a transição verde global a, também, pelos campos regenerados do Brasil.
Gustavo Diniz Junqueira foi Secretário de Agricultura do Estado de São Paulo, Presidente da Sociedade Rural Brasileira e é empresário do agronegócio.