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Roubo na Previdência é moldura de epílogo melancólico de um ciclo do sindicalismo 2o292c

O horror público com o roubo nas aposentadorias e pensões deixou o governo imobilizado. Lula se resguardou no silêncio. Pela primeira vez, evitou aparecer no comício sindical de 1º de Maio em São Paulo. Na sequência, entregou a crise da Previdência Social a burocratas sem poder efetivo para resolvê-la. E viajou para celebrações diplomáticas no circuito Moscou-Pequim, a 16 000 quilômetros de distância de Brasília.
O governo se mostra atônito com as revelações da Polícia Federal e da Controladoria-Geral da União: entidades trabalhistas são responsáveis por fraudes contínuas na folha da Previdência, com o desconto de “contribuições” nas contas de 4 milhões de aposentados e pensionistas nos últimos dez anos.
Em Brasília, a perplexidade é menos com a roubalheira e mais com a perspectiva de uma devassa pública nas finanças de organizações sindicais. Quase todas com histórico de múltiplas conexões com partidos políticos — PT, PDT, MDB, PL, PSB e Solidariedade, entre outros.
É um tema que atrai a atenção de sete em cada dez eleitores, demonstram pesquisas, até porque quase metade deles pertence a famílias onde o dinheiro da aposentadoria ou pensão tem papel relevante na estabilidade domiciliar. Polícia e Controladoria já informaram que as vítimas se concentram no extrato mais pobre atendido pelo INSS. Por coincidência, é um segmento de eleitores onde Lula prevaleceu como candidato presidencial do PT nos últimos 36 anos.
A ladroagem flagrada na Previdência emoldura o epílogo melancólico de um ciclo do movimento sindical brasileiro. Até aqui, sindicatos, federações, centrais e confederações trabalhistas foram incapazes de se reinventar, ao contrário das entidades empresariais. Desfrutaram de sete décadas de conforto financeiro à custa da “contribuição” imposta aos trabalhadores na era Getúlio Vargas.
A tradição de cooptação sindical pelo governo foi duramente contestada por Lula nos anos 1970. Porém, ele acabou reforçando-a na virada do milênio, quando chegou ao poder com uma nova classe de dirigentes trabalhistas. A “contribuição” obrigatória sobre as remunerações foi desidratada na marola reformista de 2017. Desde então, o movimento sindical se declara vítima do espírito liberal do governo Michel Temer.
“Roubo na Previdência é moldura de epílogo melancólico de um ciclo do sindicalismo”
Sobram queixas no Ministério do Trabalho sobre a “dificuldade de cobrança” e acumulam-se no Congresso pedidos de revisão de normas que asseguram aos trabalhadores o “direito de oposição” às taxas das organizações sindicais. A realidade sindical é mais dramática do que a retórica dos dirigentes.
Os sindicatos brasileiros têm 8,4 milhões de associados, segundo o IBGE. Isso representa 8,4% de uma força de trabalho estimada em 100,7 milhões de pessoas ocupadas. A população soma 213 milhões.
Em 1979, quando Lula projetava canalizar a energia do ativismo sindical para formar o Partido dos Trabalhadores, contavam-se quase 9 milhões de empregados sindicalizados em todo o país. Representavam 20% da força de trabalho de 44 milhões. A população estava estimada em 119 milhões.
O sindicalismo encolheu por razões diversas, principalmente por vício da burocracia no dinheiro fácil reado pelos cofres públicos. Há motivos para crer na inapetência da maioria das organizações trabalhistas para renovação, o que poderia explicar, por exemplo, o distanciamento, quase ojeriza, dos sindicatos em relação aos trabalhadores em plataformas digitais, que acham supérfluo, custoso e dispensável o atual modelo de vinculação sindical.
A roubalheira na Previdência impõe desafios relevantes a Lula na temporada eleitoral, como a gerência da crise para evitar a criminalização da estrutura sindical que há quatro décadas gravita em torno dele — vale lembrar, parte das entidades sob investigação tem participação direta em conselhos e órgãos governamentais.
Outro problema é manter o fluxo financeiro que hoje sustenta a maioria dessas organizações. A Confederação Nacional dos Trabalhadores na Agricultura (Contag), por exemplo, transfere parcela importante do dinheiro (até 75%) à miríade de sindicatos rurais que mantém em 4 000 municípios.
Não haverá saída fácil para o governo Lula, mas um bom começo poderia ser a renúncia ao velho modelo de relações sindicais que Lula contestou e, depois, adotou. Também poderia estimular sindicalistas a batalhar no mundo novo do trabalho digital. Sem mudança, como adverte a sindicalista espanhola Cristina Faciaben, que na semana ada visitou o Brasil, sindicato vai virar “souvenir”.
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Publicado em VEJA de 9 de maio de 2025, edição nº 2943