Rainhas do crime 246y5w
Para além de Agatha Christie, conheça boas autoras de thrillers 6qq8

Já escrevi aqui sobre as manhãs prazerosas que tenho tido ao reler os romances de Agatha Christie. Nesta semana, enquanto arrumava a estante do escritório, decidi criar uma seção dos meus autores favoritos de romance policial, e qual não foi minha surpresa ao perceber que todas, realmente todas, eram mulheres. Entre as clássicas, além de Agatha Christie, estão presentes duas de suas herdeiras diretas: as inglesas P.D. James, criadora do inspetor Dalgliesh, e Ruth Rendell, uma arguta observadora da complexidade humana e da sociedade inglesa contemporânea. Para mim, Rendell escreveu um dos melhores inícios de livro de todos os tempos em Um Assassino entre Nós: “Eunice Parchman matou a família Coverdale porque não sabia ler nem escrever”. Em uma linha, ela rompe todas as regras do romance policial, entrega o nome do assassino, da vítima e o motivo. Em tese, isso deveria estragar todo o livro, mas, ao contrário, só o torna mais complexo e interessante.
Seguindo entre as autoras principais do gênero, é impossível não mencionar a americana Patricia Highsmith, mestra do suspense psicológico desde seu primeiro romance Pacto Sinistro, adaptado aos cinemas por Alfred Hitchcock. Para ela, não interessa a solução do crime, mas a mente do criminoso. Em sua obra, Highsmith investigou a figura do herói-criminoso como protagonista e atingiu sua perfeição com Tom Ripley, sociopata presente em cinco romances da autora, começando por O Talentoso Ripley, também adaptado aos cinemas em várias versões.
Atualmente, o subgênero policial da moda é o “noir doméstico”, centrado em figuras femininas realistas, problemáticas, com incômodos e frustrações em seus relacionamentos afetivos, familiares e profissionais. Frequentes nas listas de mais vendidos, são romances escritos em geral por mulheres, como Garota Exemplar, de Gillian Flynn, A Garota no Trem, de Paula Hawkins, e o recente O Segredo de Rose Gold, de Stephanie Wrobel.
“O subgênero policial da moda é o ‘noir doméstico’, centrado em figuras femininas realistas, problemáticas”
Seguindo na linha mais tradicional, duas autoras pouco conhecidas no Brasil merecem destaque. Fred Vargas, considerada a rainha do crime na França, criou o comissário Jean-Baptiste Adamsberg, protagonista de ótimos romances, como O Homem dos Círculos Azuis e O Homem do Avesso. Seus livros têm tramas surreais e personagens esquisitos, e são deliciosos de ler justamente por isso. Não dá para esperar muita verossimilhança, já que os personagens interessam muito mais do que o bordado narrativo em si. No mesmo caminho, segue a norueguesa Karin Fossum. A autora começou a carreira como poetisa, mas fez sucesso internacional com as histórias protagonizadas pelo inspetor Konrad Sejer, como Quem Tem Medo do Lobo e A Vela do Demônio. São romances criminais escritos com linguagem cuidadosa e metáforas que reafirmam sua veia poética.
Não é só no estrangeiro que as rainhas do crime imperam. No Brasil, Patrícia Melo construiu uma obra sólida na ficção policial em romances com estilo seco e clima brutal, como O Matador, Ladrão de Cadáveres e o recente Mulheres Empilhadas. Na não ficção, Ilana Casoy participou da investigação de diversos casos reais, interrogou assassinos e escreveu livros sobre serial killers, incluindo os crimes de Nardoni e Richthofen. Vale a pena conhecer essas mulheres geniais e ar algumas noites sem dormir devorando seus romances.
Publicado em VEJA de 18 de novembro de 2020, edição nº 2713