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Freio na expectativa de vida abre um desafio: o bem-estar na maturidade 4p583y

Estudos populacionais indicam uma redução no ritmo dos anos a mais que o ser humano é capaz de viver. Trata-se, agora, de ensaiar um outro caminho 673r6g

Por Luiz Paulo Souza Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO , Marília Monitchele Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO Atualizado em 25 out 2024, 18h00 - Publicado em 25 out 2024, 06h00

Poucos temas ocupam com tanto fascínio a mente humana como a possibilidade de vivermos para sempre, em eterna juventude. Textos budistas, hinduístas e a Bíblia citam a chamada pedra filosofal, buscada por alquimistas da Idade Média para a vida sem fim. Se houver alguma dúvida do interesse atrelado ao tema, convém lembrar que o físico e matemático Isaac Newton (1643-1727), pragmático como a maçã que lhe caiu na cabeça, chegou a realizar “estudos ocultos”, de alquimia, para alcançar a fórmula de um elixir — que, evidentemente, nunca foi concluída e terminou como anedota nas páginas de sua aventura.

A esperança de Newton era premida pelas dificuldades de existência em um mundo cuja expectativa de vida ao nascer, na Europa, não ava dos 40 anos de idade e que pouco variou ao longo do tempo — até que, na segunda metade do século XX, ao término das duas grandes guerras, houve saltos inimagináveis. De 1950 a 1960, nos países ricos, os anos suplementares chegaram a 6,3. Na década seguinte, a ampliação global foi de 8,4 anos. Vivem-se, hoje, 73 anos na média mundial e 81 entre os privilegiados, retrato do inaceitável fosso social. No Brasil, o teto estimado é de 76 anos. O crescimento é resultado da ciência, da medicina, de vacinas e antibióticos, do zelo com o saneamento básico.

A demografia, na ponta do lápis, autorizou a ideia de vivermos para lá dos 100 anos, e além. Brotou, então, um movimento de pesquisas e trabalhos acadêmicos voltados a calcular o limite, se é que haveria. O biólogo britânico Aubrey de Grey chegou até a disparar uma provocação, em 2011: “O ser humano que terá 1 000 anos já nasceu”, disse ele a VEJA. Um recente estudo da revista Nature Aging, contudo, cruzou dados e entregou uma revelação incômoda, como balde de água fria para o otimismo: houve, nas duas últimas décadas, redução drástica nos anos a mais que a humanidade pode conquistar. De 2010 a 2019, o ganho foi de 2,5 anos em todo o mundo e de 1,2 ano em países ricos. Na década imediatamente anterior, de 2000 a 2010, o salto foi de 3,7 anos globalmente e de 2,3 nas nações privilegiadas. Andamos, portanto, mais devagar, revela a estatística.

Para os especialistas, não é uma surpresa. “A melhor analogia é a do crescimento humano, rápido nos primeiros anos de vida e mais lento com o ar do tempo”, diz o demógrafo José Eustáquio Diniz Alves. Isso acontece porque, no século ado, as tecnologias permitiram redução consistente na mortalidade infantil, fator-chave para a expectativa de vida. O maior o à saúde e à alimentação também contribuiu, mas agora que os principais desafios foram superados, pelo menos nos países mais desenvolvidos, é difícil encontrar outras saídas para o infindável. “Pode ser que exista uma invenção inesperada, que leve a um grande salto, mas é pouco realista esperar que isso ocorra em breve”, diz o demógrafo.

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O melhor é pensar no aqui e agora. O desafio é encostar nos 70 anos com saúde — há, inclusive, quem diga que esse é o caminho mais ível para se conquistar uma vida mais longeva. “Não é possível aumentar a expectativa de maneira adequada sem que o tempo de vida saudável seja estendido também”, diz Evelyne Bischof, vice-­presidente da Sociedade de Medicina da Longevidade Saudável, que esteve no Brasil para participar do evento The Future of Medicine. Nesse campo, o de tratamentos imediatos, antes que o tempo corra, tem havido muito progresso, com a entrada em cena da inteligência artificial aplicada às avaliações médicas. Dos hemogramas aos exames genéticos e de imagem, os técnicos utilizam ferramentas de ponta capazes de avaliar a idade biológica dos órgãos de uma pessoa e, então, construir estratégias que vão de medicamentos a dietas e suplementos alimentares para fazer com que o organismo de cada indivíduo esteja sempre próximo do funcionamento ideal.

DESAFIOS - Há mais idosos em circulação: o mundo ainda não se adaptou para abraçar esse crescente grupo populacional
DESAFIOS - Há mais idosos em circulação: o mundo ainda não se adaptou para abraçar esse crescente grupo populacional (E+/Getty Images)

A travessia pode estar apenas começando, e, apesar do baque anunciado, com o movimento de longevidade estancado, parece não haver dúvida: o mundo envelheceu, e há nisso a agradável sensação de vitória, mas também um cipoal de dificuldades pela frente, do ponto de vista das famílias e da previdência, com sociedades formadas por idosos — saudáveis, mas nem sempre aptos ao mercado de trabalho. A inversão da pirâmide etária caminha para se tornar realidade. Podemos não chegar aos 100, mas as projeções apontam que, até 2029, no Brasil, o número de idosos já terá superado o de crianças de até 14 anos. Em 2100, serão três pessoas com mais de 60 anos para cada jovem.

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Estamos preparados? Por enquanto, os especialistas acham que não. As cidades não estão adaptadas para a locomoção dos idosos, o número de médicos geriatras é muito menor do que o necessário e as mudanças climáticas se apresentam como um desafio ainda maior para essa população. “São necessárias políticas que facilitem a vida de quem está envelhecendo, nos locais onde estão”, diz Alexandre Kalache, do International Longevity Centre-Brasil e da Global Alliance of International Longevity Centres. “A expectativa de vida é muito sensível às desigualdades sociais. É necessária toda a luta possível para resolver esse problema.”

É impossível ar ao largo dessas disparidades no ataque às dificuldades que cercam os mais velhos. A estagnação da expectativa de vida, reafirme-se, é uma realidade em países desenvolvidos. Boa parte do mundo, no entanto, lamente-se, segue atrasada.

PARA QUÊ - Os struldbrugs de As Viagens de Gulliver: longevidade sem saúde
PARA QUÊ - Os struldbrugs de As Viagens de Gulliver: longevidade sem saúde (Culture Club/Getty Images)
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É essa a reflexão que o diretor e roteirista Cacau Rhoden faz em Quantos Dias. Quantas Noites, documentário disponível no Amazon Prime Video. Ao encarar diferentes realidades brasileiras, eles se deparou com grandes disparidades no envelhecer. Entre negros e brancos, a diferença no tempo máximo de vida é de cinco anos; entre homens e mulheres, seis; a depender da região do país, pode chegar a quase dez. “O Brasil reflete, em termos de desigualdade, o mundo”, diz Rhoden.

Não é o caso, por óbvio, de supor, tudo somado, e com atenção aos aspectos sociais, que o plano centenário ou. Não. Saúde é o nome do jogo, e depois pensamos em ir um pouco mais em frente. Qual é o sentido de estar por aqui como os struldbrugs, os imortais do clássico As Viagens de Gulliver, clássico da literatura escrito em 1726 pelo irlandês Jonathan Swift? A turma dos que não morrem, no romance picaresco, é isolada, a partir dos 80 anos, em um asilo. De Gulliver: “Quando, porém, atingem 90 anos, é ainda pior: todos os dentes e cabelos caem; eles perdem o paladar e bebem e comem sem prazer algum; perdem a noção das coisas mais fáceis de reter, e esquecem o nome dos amigos e às vezes o próprio”. Viram párias. São imortais biológicos, mas já morreram para a vida civil e para o convívio social. O historiador israelense Yuval Harari, o mais agudo pensador da costura de nosso tempo com as criações tecnológicas, resume a ópera: “Acho que se você perguntar a qualquer um se quer viver até 1 milhão de anos de idade, ele achará a pergunta absurda, pois não conseguimos imaginar o que isso significa. Mas quase todo o mundo diria ‘sim’ ao ser indagado se quer viver mais dez anos com boa saúde”. Não resta dúvida: bom mesmo é viver bem, e não além da conta.

Publicado em VEJA de 25 de outubro de 2024, edição nº 2916

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