O acordo EUA-China salvou o Brasil de uma recessão, diz economista do J.P. Morgan
Em entrevista a VEJA, Cassiana Fernandez fala sobre as revisões feitas pelo banco nesta semana depois de as duas potências anunciarem uma trégua nas tarifas

Em menos de uma semana, o J.P. Morgan, um dos maiores bancos do mundo, revisou radicalmente suas projeções para o crescimento dos Estados Unidos, da China e da economia global, o que, por conseguinte, levou a uma mudança – para melhor – também nas perspectivas para o Brasil.
Até a semana ada, antes do anúncio de um primeiro acordo comercial e uma trégua de noventa dias nas guerra tarifária entre Estados Unidos e China, o banco americano figurava entre as instituições mais pessimistas e dava como inevitável um período de recessão no segundo semestre tanto nos EUA quanto no Brasil. Este cenário foi riscado em todos os casos e voltou para o positivo tão logo o novo combinado de Donald Trump e Xi Jinping foi anunciado no começo da semana. “Foi um acordo muito significativo e a melhora na revisão, em especial da China, é muito relevante para a economia brasileira”, diz Cassiana Fernandez, chefe de pesquisa econômica para a América Latina e economista-chefe para Brasil do J.P. Morgan.
Em entrevista a VEJA, Fernandez conta que, por outro lado, mesmo com a melhora, a expectativa para o Brasil é ainda de uma desaceleração forte na atividade a partir da segunda metade deste ano, o que continua sustentando a visão do banco de que o Banco Central brasileiro poderá começar a cortar a taxa de juros, a Selic, ainda em 2025.
Enquanto analistas de todo o mercado ainda tentam decifrar quais serão os próximos os no caminho deixado em aberto pelo Banco Central, a aposta do J.P. Morgan é de que o BC deve fazer uma última e pequena elevação na Selic na próxima reunião, em junho, até chegar aos 15%. Por outro lado, frente a uma forte desaceleração que já está encomendada de toda forma, os cortes poderão começar ainda em dezembro, com a Selic terminando 2025 de volta aos 14,75% e 2026 nos 10,75%.
Entre os principais redesenhos feitos no cenário global e no nacional nesta semana, o J.P. Morgan elevou nesta semana a projeção do PIB dos EUA de 1,2% para 2%, o da China de 4,1% para 4,8% e, o do Brasil, de 1,9% para 2,3%. Por outro lado, a taxa de juros decidida pelo Federal Reserve, o banco central norte-americano, também deve agora cair menos e mais devagar, recuando do atual teto de 4,5% para 3,5% e só no meio do que vem.
Veja a seguir os principais trechos da conversa.
O JP Morgan reduziu nesta semana a probabilidade de recessão global dos EUA de 60% para menos de 50%, e fez revisões importantes de crescimento para todo o mundo. Desde o grande ‘tarifaço’ de Donald Trump, em abril, prevalecia a perspectiva de recessão. O que moveu essa mudança? Muita coisa muda com o acordo entre Estados Unidos e China. Até então, o cenário base do banco era de uma recessão técnica nos Estados Unidos, com quedas de 0,5% no PIB [produto interno bruto] do terceiro e do quarto trimestre [comparados aos mesmo trimestre um ano antes]. Isso não deve mais acontecer, vai ficar em um terreno levemente positivo. O acordo com a China foi muito significativo. A tarifa entre eles sai de 145% para 30%, e só isso gera uma redução na arrecadação dos Estados Unidos de cerca de 300 bilhões de dólares. É dinheiro que sobra para os consumidores e tem impacto no crescimento. Com a trégua, a China também cresce mais. Então saímos de um cenário de recessão global, com impacto para todos os países, para uma situação que ainda não é boa – é pior do que se esperava no começo do ano -, mas é, sim, menos adversa.
Saímos de um cenário de recessão global, com impacto para todos os países, para uma situação que ainda não é boa – é pior do que se esperava no começo do ano -, mas é, sim, menos adversa.
É ao menos o terceiro cenário de vocês em dois meses. Ele não pode mudar de novo? O PIB melhor está condicionado às tarifas ficarem mantidas no patamar atual, após o acordo. Mas, dada a volatilidade, é uma hipótese bastante forte que possam mudar, para qualquer dos dois lados: tanto outras economias conseguirem renegociar tarifas mais baixas quanto haver uma reescalada e elas subirem de novo.
Como essas revisões mexem com a perspectiva de crescimento para o Brasil? Na nossa projeção anterior, o PIB brasileiro cairia a uma média de 0,3% no terceiro e no quarto trimestre. A expectativa agora é que cresça 0,5% em cada um deles. O que é, de toda maneira, uma desaceleração importante. A melhora na revisão, em especial da China, é muito relevante para a nossa economia. E não só pelo comércio externo, mas também pelos canais do investimento e da confiança. Se o mundo está em recessão, com uma briga entre as duas maiores economias do mundo e vivendo uma desglobalização, claramente há um menor fluxo de investimento para todos os países e também uma aversão maior ao risco. Os impactos disso sobre o Brasil, na minha opinião, estavam subestimados.
O novo cenário do J.P. Morgan trabalha com a Selic um pouco mais alta e por mais tempo do que era previsto até a semana ada. Ainda assim, vocês acreditam que ela pode começar a cair ainda neste ano. O que deve permitir esse início nos cortes de juros? Na semana ada, acreditávamos que o Banco Central poderia interromper as altas da Selic já agora, nos 14,75%, e começar a cortá-la ainda em setembro, terminando 2025 em 14,25%. Agora entendemos que será necessária mais uma alta em junho, para os 15%. Em dezembro, de toda maneira, ele poderá começar a cortar novamente, mesmo que de maneira mais lenta. O PIB no segundo semestre é muito fraco. É aí que começaremos a ver uma desaceleração mais forte e é também onde estão as principais diferenças entre a nossa visão e o consenso de mercado. Mesmo sem uma recessão, ainda será uma economia global bem mais fraca, o que significa também preços mais fracos em commodities, como o petróleo, e em bens industriais, porque a China, exportando menos para os Estados Unidos, vai começar a procurar os outros mercados com preços mais baratos.
Traduzindo para o cotidiano essa perspectiva de commodities mais baratas, podemos entender que preços como o da gasolina ou dos alimentos podem ter um alívio até o ano que vem? Ver deflação de alimentos de fato é sempre difícil, mas deve haver aumentos menores, com uma pressão inflacionária bem menor em especial nos combustíveis. Eles certamente crescerão menos que o salário, e isso já faz bastante diferença.
Além das forças externas, há também fatores domésticos que contribuem para essa desaceleração esperada para o Brasil a partir do segundo semestre? É uma combinação de três fatores: o canal externo, um nível de taxa de juros que já está há bastante tempo muito restritivo e também um impulso fiscal que começa a ficar menor, depois de uma enorme expansão. O freio externo claramente mudou nos últimos dias, e deve ser bem mais suave, mas as outras duas coisas não mudaram. Estaremos com os juros a 15%, o que tem um poder de restrição enorme à atividade. E, do lado do governo, por mais que haja pressão, não tem mais espaço para aumentar os gastos dentro das regras atuais do arcabouço fiscal. O governo só consegue isso se propor uma mudança na regra. Mas ele viu, no final do ano ado, quando propôs um pacote de ajuste fiscal junto com a promessa de isenção no imposto de renda, o desgaste que isso causa. Ele também não consegue.