Um novo começo: Claro aposenta a marca Embratel após quase 60 anos de história
Movimento abre espaço para a Claro Empresas, em um movimento que assinala o fim de uma era que transformou as telecomunicações no Brasil

A demora foi de contados dez anos para que a operadora Claro conseguisse riscar do mapa uma marca histórica que a incomodava. irada pelo público e pelas empresas, que usufruíram suas pioneiras conexões por satélite, serviços globais de telefonia e transmissão de dados a distância, a Embratel (Empresa Brasileira de Telecomunicações) morreu, oficialmente, há poucas semanas, ao ser extirpada do organograma da multinacional mexicana controlada pelo bilionário Carlos Slim. Um press release de oito parágrafos sepultou a empresa, nascida em 1965 como ícone de tecnologia do regime militar, cuja missão era conduzir o Brasil rumo ao futuro das telecomunicações. “Toda a expertise da Embratel, de quase seis décadas de atuação, a a ser Claro Empresas”, registrou a companhia. “Esse movimento nos dá a oportunidade de criar ainda mais conexões, descobrir caminhos e inovar de forma que faça sentido e traga resultados”, afirmou, em nota, o presidente da Claro no Brasil, José Félix. Os bastidores do sepultamento da marca Embratel, no entanto, contam bem mais do que a Claro externou no comunicado.

As culturas corporativas das duas marcas, sob o guarda-chuva da holding América Móvil, nunca se alinharam integralmente dentro do grupo de Slim. Desde janeiro de 2015, quando o gigante mexicano comprou a estatal brasileira, na segunda etapa do processo de sua privatização, as turmas de funcionários e dirigentes, de um lado e de outro, se entreolhavam com desconfiança. “A Embratel prestava serviços que muitas vezes, no dia a dia, não eram bem compreendidos pelo pessoal da Claro”, afirma o ex-gerente regional de operações Ricardo Kalume, que atuou sob as duas bandeiras durante dezoito anos. “Havia muitos embates.”
Na prática, as estruturas da Embratel e da Claro coexistiram em linhas paralelas por quase uma década, até que a ex-estatal se tornasse, gradualmente, um apêndice da companhia que a adquiriu. A longa transição — da incorporação silenciosa ao descarte definitivo da marca — reflete tanto o peso institucional que a Embratel ainda exercia junto a grandes corporações, com contratos bilionários e de alta rigidez, quanto a estratégia de branding da Claro na América Latina, focada na consolidação de uma identidade única em toda a região.
Boa parte do avanço da iniciativa privada no Brasil ou pela infraestrutura de comunicações criada e operada pela Embratel, que por décadas manteve interlocução constante com empresas, técnicos e agentes comerciais em todo o país. Ao longo de sua trajetória, a companhia realizou feitos notáveis. Na era pré-internet, entre 1974 e 1982, associou-se aos Correios para implantar o sistema que expandiu de 4 000 para 65 500 os terminais de telex no país, essenciais para a troca de dados entre empresas. Nos anos 1980, foi responsável pela instalação do cabo submarino BRUS, que conectou diretamente o Brasil aos Estados Unidos. Na mesma década, projetou, lançou e operou os satélites Brasilsat A1 e A2, além de istrar simultaneamente outros oito. Também foi a responsável por concluir o anel nacional de telecomunicações terrestres, instalando 900 quilômetros de fibra óptica em plena Amazônia. “A Embratel construiu a independência do Brasil em relação aos sistemas controlados pelos países mais avançados”, afirma Ricardo Kalume.
A campanha publicitária “DDD — Faz um 21”, dos anos 1990, resultou em um salto que extrapolou os limites empresariais da marca. Estrelada pela atriz Ana Paula Arosio e por três meninos que formavam, com letras em suas fantasias, a sigla de discagem direta a distância, a Embratel ganhou a simpatia de milhões de usuários dos telefonemas interurbanos nacionais. A empresa estava no apogeu quando a Telebras, que envolvia a marca, foi privatizada no governo do presidente Fernando Henrique Cardoso. “Havia apoio aos funcionários, assistência médica diferenciada, oportunidades para promoções, cursos de capacitação, treinamento e um ambiente moderno, organizado e inovador”, enumerou uma veterana da empresa na página do Facebook “Colegas Embratel — Atuais e das Antigas”. Com 6 500 participantes, o coletivo tem intervenções diárias, promove encontros presenciais e lamenta a descontinuidade da marca. “A empresa em que trabalhamos jamais deixará de existir, porque é parte de nós”, manifestou a ex-integrante da companhia.

O fim da marca Embratel, embora desperte saudosismo pela força simbólica que conquistou no Brasil, é considerado um o esperado no processo de fortalecimento da identidade corporativa da Claro. A avaliação é da consultora Ana Couto, especialista em branding e comunicação empresarial. Em um período anterior, Ana e sua agência foram contratadas pela multinacional mexicana para ajudar a resolver o dilema da convivência entre as duas marcas sob o mesmo teto. Segundo ela, a coexistência de bandeiras distintas dentro de uma única companhia pode gerar confusão que vai desde o crachá e os e-mails corporativos até reuniões estratégicas, além de comprometer a clareza da percepção externa. Para Ana, esse tipo de ambiguidade pode resultar em ruídos internos e riscos significativos à imagem institucional.
A recomendação da especialista foi por uma “solução mais estruturada de branding”, ou seja, arriar a bandeira da Embratel e hastear a da Claro. A sugestão, porém, não foi implementada de imediato. À época, a direção da operadora temia uma reação negativa por parte dos milhares de empresas clientes que, por décadas, se habituaram à interlocução com a Embratel. Ao longo dos últimos dez anos, outras tentativas de fusão de marcas foram postergadas pelo mesmo motivo. Curiosamente, o processo foi bem mais ágil no caso da Net, cuja identidade foi extinta de forma definitiva em 2019, com a integração à Claro TV, em uma decisão tomada sem grandes resistências internas. No campo da concorrência, os espanhóis da Vivo consolidaram em apenas um ano, entre 2011 e 2012, o seu processo de unificação de imagem, suprimindo o nome Telefônica Brasil para concentrar todas as suas atividades na marca considerada mais moderna, a da própria Vivo.
A substituição da marca Embratel por Claro Empresas assinala uma reconfiguração estratégica na forma como a Claro atende o mercado corporativo no Brasil. Na prática, a mudança representa a consolidação de uma plataforma única de serviços voltada a negócios de todos os portes, que incorpora o portfólio tradicional da Embratel — conhecido por soluções de conectividade e telecomunicações — a uma gama mais atualizada de serviços digitais. A Claro Empresas diz nascer com o objetivo de ir além da conectividade, oferecendo soluções integradas em segurança cibernética, computação em nuvem, internet das coisas e inteligência artificial, entre outras iniciativas. Segundo a Claro, a nova marca busca atender às crescentes demandas de transformação digital enfrentadas pelas empresas. Para os clientes, a promessa é de maior agilidade na oferta de serviços.

A saída de cena da Embratel está longe de ser um episódio isolado no mundo corporativo. Marcas nascem e desaparecem todos os dias, no Brasil e no exterior — algumas conquistam espaço na memória afetiva do público, outras am sem deixar rastros, e muitas são redesenhadas para os novos tempos por meio do processo conhecido como rebranding. No caso da Embratel, no entanto, trata-se de muito mais do que uma troca de nome: é o fim de um capítulo relevante da história das comunicações no país.
Publicado em VEJA, maio de 2025, edição VEJA Negócios nº 14