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‘Messalina teve um enorme impacto na história de sua época’, diz historiadora britânica 4o258

Imperatriz romana, mulher de Claudio, virou sinônimo de devassidão e escândalo, mas era uma atriz política muito importante da Roma Antiga 151m6m

Por Alessandro Giannini Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO 3 jun 2025, 08h30

Honor Cargill-Martin é a autora do livro Messalina: A Vida da Mulher Mais Escandalosa da Roma Antiga (Planeta/Crítica). Ela estudou história antiga em Oxford, onde fez um mestrado focado no uso de acusações de prostituição contra mulheres imperiais. Messalina foi o exemplo “mais famoso e o mais intenso” desse fenômeno. No livro, a autora recontextualiza a mulher do imperador Claudio para além da fama sexual, apresentando-a como uma figura politicamente ativa e complexa, cujo legado foi simplificado e utilizado como um conto moral, tanto na antiguidade quanto modernamente, e cuja história real reflete as dinâmicas dramáticas da política imperial romana. Atualmente, Cargill-Martin está fazendo doutorado na mesma universidade, pesquisando escândalos sexuais e políticos na Roma antiga. Ela também está trabalhando em um novo livro sobre a Era do imperador Augusto.

IMAGEM - A personagem da Roma Antiga retratada como uma figura frívola: preconceito alimentado por um olhar machista
IMAGEM - A personagem da Roma Antiga retratada como uma figura frívola: preconceito alimentado por um olhar machista (Imagno/Getty Images)

Por que escolher Messalina como tema de seu livro e pesquisa? Cheguei a Messalina enquanto fazia meu mestrado em história antiga em Oxford. Minha tese focava em acusações de prostituição usadas contra mulheres imperiais. Messalina é, provavelmente, o exemplo mais famoso e intenso disso. Inicialmente, interessei-me por esse aspecto de como ela foi recebida por escritores romanos. Mas quanto mais examinava os detalhes de sua vida, mais percebia uma desconexão significativa entre como ela era apresentada nas fontes originais (quando não se tratava de acusações sexuais) e como era tratada na academia. Achei que ela era uma figura muito mais significativa no mundo político de sua época do que lhe era dado crédito, pois sua história sempre foi ofuscada por esse elemento sexual. Além disso, senti que ela era um estudo de caso quase perfeito para muitas características deste período da história romana, meu período favorito. É uma época em que as regras da política da corte estavam sendo desenvolvidas por tentativa e erro, com muitas mortes no processo, e Messalina encapsulava toda essa tensão e drama.

Como você lidou com as fontes históricas sobre Messalina, já que mencionou que os documentos oficiais podem ser problemáticos? As principais fontes históricas sobre Messalina são três historiadores antigos — Tácito, Suetônio e Dião Cássio — que são incrivelmente úteis e formam a espinha dorsal do meu livro. Onde elas se tornam problemáticas não é tanto na descrição do que aconteceu, mas na análise do porquê. Podemos confiar, por exemplo, em Tácito ao dizer que alguém foi acusado de adultério e exilado em determinado ano. A dificuldade surge quando ele diz que isso aconteceu porque Messalina estava com ciúmes, por exemplo. É uma análise constante para discernir em quais partes confiar, quais questionar e quais descartar inteiramente. Há momentos em que se pode traçar o desenvolvimento de um mito, vendo como as acusações de prostituição evoluem para histórias de grandes competições com prostitutas nas décadas após sua morte. As fontes antigas são úteis, mas o problema de quão longe podemos confiar nelas é universal na história antiga, e é agravado ao trabalhar com mulheres, que atuavam principalmente nos bastidores, e ainda mais quando há tantos rumores. Além das fontes históricas, usei muito a cultura material e outras evidências da época, como fontes literárias e poesia, para construir uma ideia do mundo em que ela vivia e ver se as narrativas principais faziam sentido nesse contexto. O período é rico em fontes, incluindo evidências de Pompeia e edifícios em Roma, que nos ajudam a construir uma imagem sólida do mundo de Messalina.

Divulgação
Messalina,  de Honor Cargill-Martin (tradução de Ana Maria Fiorini; Crítica; 384 páginas; R$ 99,90; R$ 59,90, em e-book) (//Divulgação)
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Como a academia e os historiadores percebem figuras como Messalina, frequentemente associadas a escândalos? É uma pergunta interessante e a percepção mudou bastante nas últimas décadas. Antes dos anos 70, temas assim eram vistos como frívolos, a serem postos de lado para chegar à “história real”. Indo mais atrás, em obras vitorianas, Messalina era frequentemente mencionada, mas como um conto de advertência para reforçar a moralidade feminina “adequada” e os perigos da promiscuidade sexual feminina. Eles a usavam de forma similar aos romanos. Ela foi meio ignorada por cerca de um século. Nos anos 1970, houve uma virada para olhar as mulheres mais seriamente, ligada ao movimento feminista. Acadêmicas fizeram um trabalho incrível pesquisando o papel das mulheres na política e o problema de usar fontes antigas sobre mulheres. No entanto, houve uma tendência inicial ao revisionismo excessivo, querendo apresentar mulheres como “perfeitas” em oposição às fontes antigas que as pintavam como terríveis. Não há evidência de que Messalina fosse uma esposa ideal ou racional o tempo todo. A complexidade da personagem é o que torna a escrita do livro emocionante. Também houve uma certa reticência entre algumas feministas em estudar Messalina porque, ao contrário de Agripina (mãe de Nero), criticada por ser “masculina” e política, Messalina era criticada por ser “boba”, frívola e apaixonada. Ela não se encaixava na imagem ideal de mulher que tentavam reconstruir. Nas últimas décadas, isso tem mudado, e estamos encontrando um bom meio-termo.

Além de Messalina e Agripina, há outras mulheres com histórias interessantes que são pouco conhecidas? Trabalhar com mulheres em Roma é um processo tentador, pois elas são mencionadas nas histórias apenas quando suas vidas se cruzam com as de homens, geralmente no mundo político. Há comentários superficiais sobre mulheres que envenenaram seus maridos ou foram acusadas de bruxaria, sem menções anteriores ou posteriores. Precisamos itir que nunca teremos uma imagem completa de quem eram e como eram suas vidas. No entanto, a arqueologia tem feito um trabalho interessante na reconstrução das vidas de mulheres menos elitizadas. Em lugares como Pompeia, podemos ter uma boa noção do dia a dia de certas mulheres, incluindo registros de mulheres construindo grandes negócios e participando da vida pública. Os romanos escreviam muito e inscreviam detalhes de suas vidas, carreiras e famílias em tudo que podiam. Assim, podemos reconstruir as vidas dessas mulheres de forma eficaz, o que é muito interessante. Há uma tensão constante entre a empolgação da descoberta e a frustração de saber que existem grandes lacunas de informação iníveis.

Aqui no Brasil, e acho que em outros lugares também (menos no Reino Unido, mais na França), “Messalina” é quase sinônimo de devassidão. Você acha que sua pesquisa pode mudar essa percepção? É muito interessante que ainda seja usado comumente no Brasil. A linguagem tem vida própria e um livro não pode simplesmente eliminar algo que se desenvolveu por séculos, nem eu gostaria disso. O interessante é pensar em como isso se desenvolveu: como chegamos de uma mulher com uma vida complexa e impactante em Roma a seu nome ser sinônimo de mulher promíscua, desprovido de qualquer sentido de sua história individual. Não quero forçar as pessoas a não usarem o termo, apenas acho interessante estar ciente de onde ele veio. Com o livro, não quis negar que Messalina possa ter tido muitos casos ou sido adúltera. O peso dos rumores sugere que havia alguma base para isso. O fato de todas as fontes a atacarem nesse ponto, quando havia outras formas de atacar mulheres em Roma, sugere que há alguma base para parte disso. Não quis tirar essa parte de sua história, apenas adicionar outros fatores que a tornam mais complexa. Quando seu nome é usado apenas como sinônimo, ela se torna um símbolo de uma coisa só. É exatamente assim que os romanos a usavam, mesmo décadas após sua morte, como Juvenal e Plínio a viam apenas como o símbolo da promiscuidade feminina. É semelhante a como os romanos a usavam, e é interessante estar ciente de como e por que esse processo aconteceu. Por trás da palavra, há um indivíduo histórico que viveu uma vida muito mais complexa, que não era um ideal angelical, mas uma mulher que teve um enorme impacto na história de sua época.

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Sua pesquisa de doutorado atual foca em escândalos sexuais e políticos na Roma antiga. Pode nos contar mais sobre isso? Sim, é minha pesquisa atual e é muito divertida. É como fofoca de tabloide de 2000 anos atrás. O interessante é que os escândalos são momentos em que a comunidade tenta definir os limites de suas normas morais. Eles decidem que alguém foi longe demais, está além do aceitável, e será excluído do mundo social. São pontos de tensão onde as pessoas afirmam ter um senso coerente de moralidade. Isso nos dá uma ideia do que os romanos mais temiam e os deixava ansiosos, já que o que é escandaloso varia muito entre sociedades. Além disso, algumas histórias são incríveis. Por exemplo, o primeiro imperador Augusto teria descoberto que sua filha organizava orgias noturnas no Fórum. Ele revelou isso ao Senado em uma carta e exilou a filha para sempre. É uma combinação de drama familiar, crise política e o desenvolvimento das normas sociais em Roma. É muito divertido.

Você está trabalhando em outro livro atualmente? Sim, será sobre Roma na era de Augusto. Começa após a derrota de Marco Antônio e Cleópatra e a volta de Augusto a Roma. Ele governa por cerca de 45 anos, transformando Roma de uma sociedade que se definia pelo republicanismo para uma que celebra um líder autocrático. Ele alcança isso com uma combinação de engano oportuno, hipocrisia equilibrada e oferecendo paz e estabilidade que o povo desejava. É um período muito interessante com muitos personagens notáveis, como generais (Agripa) e grandes poetas (Virgílio, Ovídio). É uma era de ouro turbulenta na cultura romana.

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