Ele é que manda: como Putin dá as cartas na guerra da Ucrânia 6w2x43
Um recente acordo com os EUA melhorou um pouco o horizonte para Zelensky, mas não é suficiente para colocá-lo em pé de igualdade com o russo 2j5s3u

À primeira vista, o acordo recém-selado entre Washington e Kiev parece trazer a Ucrânia de volta ao jogo na guerra em que só vem apanhando dos russos. Mas não é bem assim que a banda anda tocando em Kiev. Ficou acertado entre os presidentes Volodymyr Zelensky e Donald Trump que os ucranianos vão ceder parte de seu rico solo em minerais para a exploração dos Estados Unidos, que, em troca, ajudará com um fundo no qual serão depositados recursos para a reconstrução da nação devastada por três anos de conflito. O que de essencial faltou à mesa foi a garantia de que os americanos seguirão protegendo o aliado. Era o melhor tratado possível para Zelensky, mas longe do suficiente para alçá-lo a um novo patamar no duelo que tem deixado o próprio Trump sem cartas na manga para cumprir uma promessa ainda da campanha — encerrar o embate entre os dois países “em 24 horas” —, o que, premido pelas circunstâncias, já disse ter sido “brincadeira”.
A verdade é que quem vem mesmo dominando o belicoso tabuleiro não é Zelensky nem tampouco seu par americano, mas Vladimir Putin, o presidente da Rússia, que não para de bombardear o vizinho, apesar das sucessivas movimentações de Trump por um cessar-fogo. Nesse intrincado cenário, soou como afronta a determinação russa de paralisar o conflito por apenas três dias, no lugar dos trinta propostos pelos Estados Unidos, durante o feriadão em que Moscou celebra a vitória sobre a Alemanha nazista na Segunda Guerra, entre 8 e 10 de maio. Putin vai aproveitar a ocasião, aliás, para dar uma demonstração de que não está isolado — ele armou uma grandiosa cerimônia para receber líderes de toda parte, entre eles o chinês Xi Jinping e o presidente Lula.
Uma trégua mais esticada, avisou o Kremlin, só se houver flexibilização nas sanções impostas por americanos e europeus. Como esperado, Kiev rechaçou a ideia e, para deixar claro seu descontentamento, vem lançando drones contra a capital russa em ato de teor mais simbólico do que destrutivo. Depois de aproximar-se de Putin — e mais tarde mudar o vento em prol de Zelensky, a quem chegou a humilhar em pleno Salão Oval ao lado de seu vice, JD Vance —, Trump resolveu contemporizar por ora: “Não parece, mas três dias é muito se vocês soubessem de onde partimos”, disse.
A tática cada vez mais evidente de Putin é justamente arrastar a conversa, bem como intensificar o conflito, para obter o máximo de ganhos possível. Desde o início das tratativas para pôr fim à guerra, ordenou alguns dos ataques mais mortais de toda a invasão. Um míssil balístico chegou a atingir um playground na cidade natal de Zelensky, Kryvyi Rih, matando dezenove pessoas, nove delas crianças. Em 13 de abril, no Domingo de Ramos, disparos contra a cidade de Sumy deixaram mais dezenas de mortos. De acordo com a ONU, o número de vítimas ucranianas escalou: no mês ado, 848 civis foram mortos ou feridos, um salto de 46% em relação ao ano anterior. “As tendências positivas no campo de batalha permitem paciência estratégica, e Putin está mais forte e confiante do que nunca”, avalia Alyona Nevmerzhytska, CEO da Hromadske, veículo independente da Ucrânia.

Em seus cálculos, o presidente russo conta com a boa vontade de Trump, que anda de olho em um pacto com o Kremlin que incluiria cooperação na produção de petróleo, exportações de gás natural liquefeito e a contenção do Irã, um inimigo comum. “Quem não quer ver o mundo assim?”, disse Steve Witkoff, o enviado especial dos Estados Unidos que vem tratando com o próprio Putin. Até aqui, Washington já deu o aval a muito do que o líder russo exige — o fim da guerra brindaria Moscou com o reconhecimento da anexação da Crimeia (península ucraniana que tomou em 2014) e com a promessa de que a Ucrânia jamais ingressará na Otan, a aliança militar de americanos e europeus, além da suspensão das sanções sem nenhuma espécie de condicionalidade. Confortável, Putin espera para ver se ainda garante a anexação definitiva de 20% do território ucraniano que já abocanhou, bem como a imposição de limites ao tamanho do Exército do vizinho.
Na ocasião da do acordo que dará aos Estados Unidos o privilegiado aos minerais de terras raras da Ucrânia, assunto sobre o qual Zelensky já havia conversado com o secretário do Tesouro americano Scott Bessent, não houve nenhum aceno de contrapartida para Kiev nas negociações que podem levar ao fim do arrastado conflito. O que os ucranianos ganharam agora — aí, sim — foi uma maior aproximação com os Estados Unidos, já que o pacto dos minerais une ambos no longo prazo. “A exploração pode durar anos, o que conecta os interesses dos dois países por muito tempo”, analisa Matthew Kroenig, do centro de pesquisas Atlantic Council. No palco mais imediato da guerra, porém, a Ucrânia segue penando com sua frágil posição militar.
Mesmo sem avançar nas costuras pela paz, Trump não parece nem perto de jogar a toalha, como alardeou. “Ele quer ser lembrado como um pacificador e se eternizar na história a qualquer custo”, observa Emily Ferris, do think tank de segurança e defesa RUSI. Os Estados Unidos, na verdade, contavam com uma Rússia sufocada economicamente. O plano aí seria instaurar um troca-troca prometendo, por exemplo, a reabertura dos gasodutos Nord Stream, artéria crucial de envio de combustível da Rússia à Europa, para chegar ao cessar-fogo. Não deu, pelo menos até agora. Nos últimos três anos, o chefe do Kremlin construiu um sistema financeiro adaptado a tempos de guerra, que resiste mesmo sob o severo bloqueio internacional, e aprofundou laços com parceiros como a China — tudo sem precisar lidar com a pressão popular característica de uma democracia liberal, o que a Rússia não é. Como se vê, no jogo de quem pisca primeiro, a vantagem está com Putin.
Publicado em VEJA de 9 de maio de 2025, edição nº 2943